domingo, julho 16, 2006


O Pardal Coxo

Manuel dos Santos era o seu verdadeiro nome. O seu pai chamou-lhe Pardal Coxo. Mário Filho, famoso cronista brasileiro que dá nome ao Maracanã chamou-lhe "O anjo das pernas tortas". O Brasil chamou-lhe Mané. O futebol chamou-lhe Garrincha.
Em 1933, na pobre terrinha de Pau Grande, nos arredores do Rio de Janeiro, nasceu um menino especial. Especial por dois motivos: primeiro, porque nasceu com as suas pernas entortadas para o lado esquerdo. Segundo, porque mesmo assim se tornaria um dos mais fantásticos jogadores brasileiros de sempre.
Desde bebé, Garrincha sonhava com o futebol. O seu pai enterneceu-se com o desejo do menino e jurou ante o seu berço que o seu pardal, mesmo sendo coxo, voaria mais alto que qualquer outro pássaro. Os seus esforços conseguiram proporcionar-lhe um tratamento que apenas amenizou os efeitos provocados pela estrutura das suas pernas. O rapaz estava um pouco melhor, mas continuava a andar desengonçado. E ainda bem que assim foi, pois mais tarde o pequeno Mané viria a aperceber-se de que as suas pernas não eram uma deficiência mas sim o maior dom que Deus lhe poderia ter dado.
Isto porque seria exactamente esse jeito desengonçado que tornaria Garrincha um driblador incrível. Quando Garrincha começava a fintar, era impossível perceber para que lado iria levar a bola. Os defesas que o marcavam (os João, como ele os chamava), já sob desespero, acabavam por escolher um lado. E quase sempre falhavam. Foi várias vezes campeão no Botafogo, clube que representou em 581 jogos. Pelo escrete, Garrincha foi bicampeão mundial, tendo sido o grande obreiro do título conquistado no Chile'62, após a lesão de Pelé.
Infelizmente, a vida de opulência acabou por conquistá-lo. Boémia, jogo, mulheres e bebida foram os luxos que o arrastaram até ao fundo. Morreu em 1983 na miséria, tal como nascera.
Garrincha também ajudou o futebol a tornar-se único. Anos mais tarde, uma equipa de cientistas analisou a sua deficiência e concluiu que, naquelas condições, o único desporto que Garrincha poderia ter praticado sem piorar o seu estado era, claro, o futebol.
Esta história já é conhecida, mas vale sempre a pena recordá-la de modo a não esquecer que na vida as dificuladades nunca são portas completamente fechadas; e que por mais alto que se voe, não se deve deixar de ter os pés assentes no chão.

2 Comments:

Blogger Luís said...

Era um grande jogador sem dúvida, e quanto a mim é este tipo de desportistas que deveria fazer história. Não gosto de referenciar constantemente os óbvios goleadores que só por esse estatuto são elevados ao patamar de deuses (falo do pelé, do eusébio, etc), mas que jogaram num tempo que não era o nosso e curiosamente em campeonatos de segunda em termos competitivos. São jogadores como Garrincha, Socrates, Maradona, Baggio, Crujiff, e como eles outros que dão emoção aos jogos, são imprevisíveis, no drible, certeiros nos passes e espetaculares no remate. São os futebolistas com personalidade que levam o desporto-rei aos adeptos.

1:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem escrito. Li com prazer, embora nunca tivesse ouvido falar do jogador.

9:01 da tarde  

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